A guinada trumpista de parte relevante do Vale do Silício teve início com a adesão de empreendedores próximos a Elon Musk, que fizeram sucesso nos anos 1990 e se projetaram depois fazendo investimentos vultuosos em startups que julgavam ser o futuro dos Estados Unidos.
Eles não se destacaram nas fotos da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, mas Marc Andreessen e Peter Thiel (ex-sócios de Musk), além de outros gestores de fundo de risco, já haviam mergulhado na campanha presidencial do republicano, com doações milionárias, antes que Mark Zuckerberg, Jeff Bezos ou Sam Altman fizessem acenos ao atual ocupante da Casa Branca.
Thiel, do Founders Fund, e Andreessen, da firma Andreessen & Horowitz, estão acostumados aos bastidores e apostaram fortunas durante os primeiros anos de companhias hoje bilionárias, a exemplo do então Facebook, do AirBnB, da Uber e até do brasileiro Nubank. Os fundadores de todas estas empresas já fizeram elogios a Trump, alguns ainda antes da vitória do republicano.
Em outra dobradinha, Thiel e Musk estiveram no grupo de membros-fundadores da OpenAI e foram os primeiros bilionários a colocar dinheiro na iniciativa. Ambos fazem parte do grupo de primeiros executivos da plataforma de pagamentos PayPal, que depois ficou conhecido como PayPal Mafia pela atuação conjunta empreendendo e investindo. Todos eles doaram para campanhas de Trump, em 2016 e 2024.
Hoje, Musk é o assessor de mais destaque de Trump e comanda o Doge (Departamento de Eficiência Governamental), voltado a cortar gastos. Thiel e Andreessen colaboram com o Doge indicando pessoas de confiança para cargos. Além disso, outro membro da PayPal Mafia, David Sacks, foi nomeado o “czar das criptos” por Donald Trump, e aconselha o governo na pauta dos criptoativos como a bitcoin.
Andreessen disse, em entrevista ao New York Times no mês passado, que “seu amigo Peter Thiel” foi a primeira personalidade do Vale do Silício a abandonar o barco dos democratas, ao perceber uma virada entre os jovens progressistas.
“Os mais privilegiados da sociedade, os mais bem-sucedidos, mandaram seus filhos para as instituições políticas mais radicais, que as ensinaram a como ser comunistas que odeiam a América”, afirmou. Para ele, o Vale do Silício embarcou na campanha de Trump em uma reação ao “grande despertar woke”.
Essa mudança, devido à influência dos investidores-anjo, teve impactos em toda a comunidade do Vale do Silício, que originalmente se estendia de San Jose a San Matteo e hoje envolve toda a baía de São Francisco.
“A galera de startup do Vale do Silício está o tempo todo atrás de financiador, e, se essas startups não estiverem de acordo com essas visões, eles não vão investir”, diz David Nemer, professor de estudos de mídia da Universidade da Virgínia.
Para Nemer, o setor de tecnologia americano quer se beneficiar com um projeto de governo mínimo e menor poder de regulação das empresas. “As empresas estão com a carta branca para se autorregularem, ou seja fazer o que bem entenderem”, diz.
Os capitalistas de risco não só colocam dinheiro nos negócios como também oferecem mentorias aos fundadores, mantendo ascendência sobre os mentorados, diz o sociólogo francês Olivier Alexandre, que estudou a cultura do Vale do Silício quando foi pesquisador visitante na Universidade de Stanford.
Andreessen, por exemplo, aconselhou Zuckerberg a esperar o chamado crescimento exponencial do Facebook e não vender a empresa em seus estágios iniciais. Ele investiu no então Facebook em 2008, após vender uma empresa de servidores para a HP por US$ 1,6 bilhão, e, até hoje, está no conselho diretor da Meta.
O pensamento de Thiel também inspirou o lema do Facebook “mova-se rápido e quebre coisas”, em referência a uma busca por acabar com ineficiências criando novas tendências.
A Andreessen & Horowitz ainda esteve, em 2013, entre as primeiras financiadoras da Oculus, a empresa de óculos de realidade virtual comprada, em 2014, por Zuckerberg. A aposta do fundador do Facebook no chamado metaverso foi tamanha que o fez mudar o nome de seu conglomerado para Meta.
Entre os empreendedores mais jovens, o fundador da Oculus, Palmer Luckey, é um dos mais vocais defensores do atual presidente. “Meu apoio de primeira mão para Donald Trump não é segredo para ninguém”, escreveu Luckey no X (ex-Twitter), onde também deixa críticas a George Soros e às políticas democratas.
Após vender a Oculus, o empreendedor fundou a fabricante de drones e armas autônomas Anduril, com financiamento de Thiel.
Os fundadores de Uber, Travis Kalanick, e AirBnB, Joe Gebbia, também apoiaram o atual presidente em declarações públicas.
Zuckerberg, Bezos, o CEO do Google, Sundar Pichai, e o da Apple Tim Cook, não se posicionaram durante as eleições, mas posaram ao lado de Trump na posse presidencial e já elogiaram as propostas do mandante para o setor da tecnologia.
Altman, da OpenAI, apoiou Kamala Harris durante o pleito. Porém, anunciou um investimento privado em data centers ao lado do atual presidente, que usou a ocasião para demonstrar seu apoio à agenda de inteligência artificial.
Trump, contudo, não tem hegemonia no Vale do Silício. Jensen Huang, da Nvidia, e Satya Nadela, da Microsoft, já se reuniram com o atual presidente, mas evitaram as câmeras e as entrevistas ao lado do republicano.
Nem entre a PayPal Mafia há consenso, já que o ex-diretor de operações da empresa de pagamentos e fundador do LinkedIn Reid Hoffman foi um dos maiores doadores de Kamala e mantém as críticas contra Trump. Assim como Thiel, ele investiu na OpenAI e na Meta.
Hoffman disse, em entrevista à NPR, que rompeu uma amizade de longa data com Musk. “Ao mesmo tempo em que eu mantenho em alta estima os feitos incríveis de Elon nos carros, nos foguetes e tudo mais, ele tem usado o Twitter para disseminar mentiras e injúrias.”
Por outro lado, ele ainda defende Zuckerberg, a quem considera um amigo. “Ele está tentando construir uma infraestrutura social para o mundo e realmente acredita na liberdade de expressão, mas deve se adaptar aos governos como um CEO responsável.”
Hoffman, Sacks e Musk estiveram entre os principais doadores de uma organização não governamental fundada por Zuckerberg, a FWD.us, para facilitar a imigração de profissionais das áreas de ciência, tecnologia e matemática.