Quando alinhar sua Sauber no grid de largada da primeira etapa da F1 em 2025, na madrugada de sábado para domingo, Gabriel Bortoleto já estará fazendo história: sua participação marca a volta do Brasil à elite do automobilismo mundial após sete anos sem um piloto titular –desde a aposentadoria de Felipe Massa na Williams.
Apesar de competir pela equipe que foi a última colocada no grid em 2024, o paulistano de 20 anos estreia com alta expectativa: foi campeão nas duas categorias preliminares da F1, conquistando o título da F3 em sua primeira temporada (2023) e da F2 no ano passado. Este feito foi atingido por três pilotos do atual grid e, não por coincidência, todos possuem contrato com grandes equipes e são vencedores de GPs: Charles Leclerc (Ferrari), Oscar Piastri (McLaren) e George Russell (Mercedes).
Após três anos sem títulos na F4 e FRECA, Bortoleto teve uma ascensão meteórica —e ele próprio credita parte deste sucesso ao seu empresário: o espanhol bicampeão mundial Fernando Alonso. Em um ano de grande renovação no grid (com seis dos 20 pilotos fazendo sua primeira temporada completa), o brasileiro é quem chega com menos quilometragem em um carro de F1.
“Perdi dois dias de treinos em Ímola no começo do ano por conta da chuva, depois tive dois dias em Barcelona e já fui direto para a pré-temporada no Bahrein. Então, sim, ainda sou novato com menos quilometragem na F1. Mas não vou reclamar, foi assim também quando cheguei na F3 e na F2. Praticamente chegando sem testar e pulando direto para o carro nas corridas”, contou Bortoleto em Melbourne, onde recebeu a reportagem da Folha para uma entrevista exclusiva.
Os anos difíceis antes da F3, sem títulos na FRECA (Formula Regional Europeia), abalaram sua confiança em conseguir chegar na F1?
Não, a gente nunca teve dúvidas e, do meu staff, também nunca chegaram até mim. Minha família sempre me apoiou muito e sabiam do meu potencial. Não estou aqui para criticar nenhuma categoria, mas a gente sabe que, sendo bem sincero, tivemos anos complicados na F4 e FRECA por coisas que estavam fora do nosso alcance. Óbvio que eu tive uma grande evolução desde então, mas eu dei meu máximo nestas duas categorias e alcançamos o que dava.
Após o terceiro lugar no Mundial de Kart, havia uma forte expectativa de títulos na sua transição para as corridas de fórmula?
Sim, e na F3 tudo mudou e voltamos ao que era na época do kart, quando disputei títulos europeus e mundiais. Por isso tenho que agradecer o apoio da minha família e também a A14 (empresa de Fernando Alonso), que conseguiu me colocar na equipe Trident na F3 e, assim, foram muito importantes. Se eu não tivesse entrado naquele momento, naquela vaga, com um ótimo ambiente, não se sabe como seria meu futuro. A gente conseguiu um ambiente muito bom na Trident, consegui construir uma equipe ao redor de mim. Fomos vitoriosos e conseguimos o título.
Por falar em Alonso, o quanto você está na F1 também por conta deste apoio, além dos seus resultados?
Acredito que o apoio foi extremamente necessário. Acho que ninguém conquista uma entrada na F1 apenas com resultados. Não só dele, mas também o apoio da minha família que sempre investiu na minha carreira desde o começo. Os patrocinadores, todos desde as categorias juniores e que estão comigo agora na Fórmula 1. Então é um trabalho em equipe que foi feito com todas essas pessoas envolvidas e Fernando Alonso foi extremamente importante porque ele está aqui no paddock, ele conversou com as equipes e ele negociou junto com staff dele e graças a Deus a gente conseguiu esse assento na Sauber.
Vai ser a primeira vez que Alonso disputa uma corrida de F1 com um agenciado dele. Como vai ser esta situação para você?
Vai ser estranho e vai ser engraçado ao mesmo tempo. Estou animado e vamos bater roda na pista.
Você disse que, sem o suporte da sua família, você provavelmente não estaria aqui. O que fazer para o automobilismo não ser apenas um esporte para quem tem boa condição financeira?
Essa é uma pergunta difícil de responder. É óbvio que sempre existem prós e contras. Eu acho que tem que ser algo bem pensado e bem organizado. De primeira eu diria que a redução de custos, mas como reduzir os custos? Essa que é a pergunta que nós temos que colocar para os organizadores de eventos e de categorias juniores. A Fórmula 1, no final das contas, tem 95% dos pilotos que são pagos pelas equipes e contratados pelas equipes, então aqui tudo bem ser um esporte caro porque você já não tem que colocar do seu bolso mais, mas as categorias juniores poderiam ser mais baratas. E a pergunta é como? Mas eu não sei te dar essa resposta. Eu não sou um organizador de evento, mas eu acho que essa seria a maneira correta.
Esses sete anos sem brasileiros no grid da F1 também coincidem com sua trajetória nas corridas de fórmula ter sido totalmente fora do Brasil. Isso explica um pouco como você chegou aqui?
Acredito que sim. O Brasil já foi mais forte no esporte, inclusive pelos ídolos que tivemos, e nesta época as competições de kart, fórmulas, eram muito boas. É preciso incentivar novos talentos para as competições internacionais e transformar o automobilismo brasileiro em algo maior e melhor. A CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) tem feito um ótimo trabalho em expandir o automobilismo brasileiro e crescer, abrindo oportunidades e agora vamos conseguir retomar um pouco do que o Brasil já foi.
Vai ser a primeira vez que o público brasileiro do Drive to Survive vai ver um piloto brasileiro na F1. Essa é uma pressão extra para você?
Não, acho bem legal, que venha a Netflix (risos). Estou muito feliz, esta temporada vai ser bem interessante. Vamos ver como vai ser esta história. Claro que no Drive to Survive podem acabar pegando as partes polêmicas e que dão visibilidade, mas vamos ver o que vai acontecer neste meu ano de estreia.
O que mudou já na sua vida como piloto de F1?
Eu ouvia muita coisa, que eu teria muitas mudanças, mas sinceramente pra mim não mudou praticamente nada. A principal mudança foi que me mudei da Itália, onde morei desde que fui competir de kart fora do Brasil, para Mônaco. O que vi na prática também que, como piloto de F1, temos muito suporte para tudo extra pista, os pilotos são bem tratados em tudo pelo time. A F1 exige muito mais do piloto em termos de mídia, patrocinadores, sessões de fotos… mas isso faz parte, é só uma questão de acostumar.
Você está estreando na equipe que foi a última colocada em 2024. Qual sua real expectativa para a primeira etapa do ano em 2025 na Austrália?
É muito difícil responder esta pergunta, nem eu tenho isso formulado dentro de mim. É muito difícil julgar na F1, talvez depois de duas ou três etapas eu consiga ter uma expectativa realista, mas tem muita evolução durante o inverno europeu e pré-temporada da categoria, entre um ano e outro. Não é como F2 ou F3 que o carro é o mesmo para todos e não muda para a temporada seguinte. Na F1, tem uma grande diferença, depende de como as outras equipes melhoraram, o quanto nós evoluímos em relação aos rivais em 2024. O Nico (Hulkenberg, companheiro de equipe na Sauber) é um ótimo piloto, ele é extremamente rápido e provou isso durante toda sua carreira. Então seria ótimo estar no mesmo nível de perfomance dele. Mas isso só vamos saber de fato depois do treino classificatório aqui no circuito de Albert Park para o primeiro GP do ano.
De todos os novatos, você é o que menos tem quilometragem com um carro de F1?
Sim, de todos fui o que menos andou de F1 até aqui. Perdi dois dias de treinos em Ímola no começo do ano por conta da chuva, depois tive dois dias em Barcelona e já fui direto para a pré-temporada no Bahrein. Então, sim, ainda sou novato com menos quilometragem na F1. Mas não vou reclamar, foi assim também quando cheguei na F3 e na F2. Praticamente chegando sem testar e pulando direto para o carro nas corridas.
Então a torcida brasileira vai ter motivos para acordar de madrugada para acompanhar a F1?
Vai, vai! Se Deus quiser, vou dar orgulho para eles.
RAIO-X | GABRIEL BORTOLETO, 20
2004, Osasco (SP). Primeiro piloto brasileiro a voltar ao grid da Fórmula 1 desde Felipe Massa, em 2017. Disputará a temporada de estreia na principal categoria do automobilismo pela tradicional escuderia Sauber. Em sua trajetória no esporte, foi campeão da Fórmula 3, em 2023, e da Fórmula 2, em 2024.