Assistindo pela TV aos jogos do Everton na Premier League, Tostão nunca tinha se dado conta: um dia, ele fez um gol naquele estádio, na Copa do Mundo de 1966. “De vez em quando, eu vejo o Everton jogando, e eu não estava imaginando”, disse, depois de informado pela Folha.
Em breve esse estádio não existirá mais. Goodison Park, “The Grand Old Lady” (“A Venerável Senhora”), casa do Everton desde 1892, será demolido, levando consigo um pedaço da história da seleção brasileira. Foi ali que Pelé e Garrincha jogaram juntos pela última vez em uma partida oficial, a vitória sobre a Bulgária por 2 a 0 naquela mesma Copa de 66.
Outros estádios históricos do Brasil em Copas já não existem mais. O Sarriá, em Barcelona, da dolorida derrota para a Itália em 1982, desapareceu em 1997 para dar lugar a edifícios; o Rasunda, em Estocolmo, onde o Brasil foi campeão em 1958, foi posto abaixo em 2013, e um novo estádio foi erguido no local.
Ainda não foi sacramentado o novo uso do terreno do Goodison Park. A partir de agosto, o Everton mandará seus jogos em um moderno estádio com 53 mil lugares nas docas de Liverpool, à beira do rio Mersey. O Everton mandará apenas mais quatro jogos da liga no velho estádio, contra Arsenal, Manchester City, Ipswich Town e, por último, o Southampton, em 18 de maio.
“A lembrança que eu tenho é que era um estádio pequeno, um estádio antigo, modesto”, conta Tostão. Então com apenas 19 anos, ele marcou o único gol brasileiro na derrota por 3 a 1 para a Hungria. Lima cobrou uma falta com força para a área, a bola desviou no zagueiro Matrai e o atacante do Cruzeiro emendou de pé esquerdo, de primeira.
Com capacidade oficial (na época) para 50 mil pessoas, Goodison Park chegou a receber, a acreditar nas estatísticas, 58 mil no jogo Portugal 3 x 1 Brasil, que selou a eliminação brasileira. “Eu não esqueço, vendo o Eusébio passando… impressionante a velocidade dele”, lembra Tostão, que assistiu das arquibancadas.
No filme da partida nota-se claramente a superlotação. Hoje o estádio comporta cerca de 40 mil pessoas.
A decisão de abandonar uma casa tão tradicional foi bem aceita pelos torcedores, segundo Darren Griffiths, gerente de mídia do Everton. “Vai ser emotivo. O último jogo vai ser muito, muito difícil para muita gente, mas existe uma aceitação de que isso tem que acontecer”, disse à Folha, por videoconferência, de dentro do estádio, usando a câmera para mostrar o gramado.
O motivo é que o novo estádio promete trazer a receita maior indispensável para um clube sobreviver na competitiva Premier League de hoje. O Everton não é rebaixado desde 1951, mas tem sofrido para se manter na primeira divisão inglesa. Outros clubes, como o Manchester United, também têm projetos de estádios maiores.
Griffiths frequenta Goodison Park desde 1971, quando tinha seis anos. Viu jogarem ali ídolos do clube, como Alan Ball, meia da seleção inglesa campeã do mundo em 1966, mas também Ronaldo Fenômeno, em um Brasil x Japão pela Copa Umbro, em 1995. Foi mais ou menos nessa época que Griffiths começou a trabalhar no clube, inicialmente tocando discos de vinil no sistema de alto-falantes durante as partidas.
Griffiths recita de cor a escalação do Everton que derrotou o Bayern de Munique, em um famoso jogo pela Recopa de 1985. “Southall, Stephens, Van den Hauwe, Ratcliffe, Mountfield, Reid, Steven, Sharp, Gray, Bracewell e Sheedy.”
No novo estádio já estão sendo realizados eventos-teste. “A [nova] casa não tem um assento ruim. Aqui em Goodison Park, temos pilares de concreto, e quem se senta atrás deles tem uma visão obstruída péssima”, comenta Griffiths.
A mudança não ocorre sem polêmica. Em 2021, a Unesco retirou das docas de Liverpool o estatuto de patrimônio da humanidade. A obra do estádio foi um dos motivos, por descaracterizar o estilo vitoriano da zona portuária. Mas Griffiths garante que, pelo Everton, vale a pena: “A localização é fantástica. É preciso seguir em frente, e também é preciso progredir com o tempo.”