Houve um tempo em que se dizia que a corrida era o esporte mais democrático de todos. Não existia tênis de placa, relógios inteligentes, kit premium tampouco corredores dispostos a fazer investimentos dignos de pais de lulus-da-pomerânia.
Mas há um aspecto não financeiro dessa dita democracia que persiste. A corrida, dentre as atividades aeróbicas, é a que parece acolher melhor a hoje chamada geração prateada, a antiga terceira idade, digo, melhor idade.
Compreensível: não sendo um esporte coletivo, a inibição por eventualmente comprometer o time deixa de ser um impeditivo; mais, é possível a nosotros entrados em anos evoluir solidamente, não apenas em volume e distância, mas também em ritmo (pace).
(Dando aqui de barato todos os ganhos que efetivamente valem a pena: condicionamento físico, disposição para o dia, melhoria geral de saúde, inclusive mental; em alguns casos, aquisições para a vida social.)
Eu, que vou para 58 nesta próxima sexta –cadeaux à Redação, sivuplê –, tive como a segunda melhor das minhas 11 maratonas justamente a mais recente, há alguns meses. Mas há estas verdadeiras referências na corrida amadora que volto a citar, pois não param de empilhar quilômetros:
O mineiro Nilson Lima tem na Uberlândia natal uma mara que leva seu nome, deferência não vista alhures. Aos 72 anos, o homem já compilou 384 maratonas e ultras, incluídas aí as dez vezes em que correu os quase 90km da Comrades, a famosa ultra sul-africana.
Sua prova de 42km mais recente foi a das montanhas de Bento Gonçalves, na mara do vinho gaúcha, em 9 de fevereiro. O próximo desafio é já neste domingo, a Ultra de Indaiatuba (SP), em que se inscreveu na modalidade “6 horas”.
“Estou empenhado em fazer 16 maratonas até 18 de maio”, disse à coluna. Again: 16 maratonas em três meses. Nilsão quer fazer na Nilson Lima sua 400ª mara, e sabe Deus onde isso vai parar.
O pernambucano Lula Holanda, 70, autointitulado “Velhinho Sniper”, fundador da Acorja, talvez o mais famoso grupo de corrida de rua do Brasil, também gosta de empilhar competições longas, mas nos últimos quatro anos está mais envolvido com o que chama de “CTD”, acrônimo de Correndo Todo Dia.
Ele faz corridas diárias que variam, em geral, de 5km a 15km –são 65km por semana–, mas o CTD pode incluir, por exemplo, a Ultra do Frio, competição que ele mesmo fundou, entre Garanhuns e Caruaru. Ano passado ele fez os 100km da prova. Lula tem 84,1 mil km contabilizados e quer atingir os 100 mil. “Correr me mantém vivo”, disse.
E há o WO, o paulistano Wanderlei Oliveira, 65, que antes de ser corredor, emérito difusor da corrida, educador físico e fisioterapeuta é um estatístico. Ele também compila desde o cambriano sua rodagem. Nos primeiros 45 dias deste ano correu escrupulosamente dez quilômetros diários, mas seu scout contempla um período mais largo: 60 anos de corrida.
São 148.914 km rodados.
Não é preciso esperar chegar aos 45, 50 anos para começar a correr, como aconteceu com o Nilsão. Hoje, aliás, são os (bem) mais jovens que predominam nas provas urbanas mais badaladas, tipo circuito Track&Field. O que me obriga a forçar a mão se eu quiser usar o mesmo imperativo de Nelson Rodrigues quando ele foi instado a dizer uma “palavra aos jovens”.
Bem, vocês já sabem ou já imaginam o que ele disse.
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