Entidade que organiza o Campeonato Espanhol, a La Liga apresentou nesta quinta-feira (6) uma queixa sobre racismo junto à polícia do País Basco. No dia 26 de fevereiro, um torcedor do Real Sociedad, clube da cidade de San Sebastian, insultou o jogador brasileiro Vinicius Junior, do Real Madrid. Uma câmera de celular capturou os gestos do homem, que imitava um macaco, e a imagem circulou pelas redes sociais.
A La Liga contratou peritos em leitura labial para transcrever as ofensas ditas pelo torcedor e, de posse do material, entrou com a queixa.
O incidente se deu num jogo da Copa do Rei, torneio análogo à Copa do Brasil e que não é organizado por La Liga. Mesmo assim os integrantes da entidade resolveram arcar com o processo, como parte de seu programa de combate aos insultos e violência nos estádios. São 48 processos ao todo, a imensa maioria por ofensas racistas, dos quais quase metade –23– envolvem Vinicius Junior. Um dossiê atualizado na semana passada mostra que a maior parte dos casos ainda não foi resolvida, mas já há alguns avanços.
Em junho do ano passado, três torcedores do Valencia foram condenados a oito meses de prisão cada um por ofender Vinicius Junior num jogo no estádio Mestalla. Foi uma sentença pioneira no futebol espanhol, baseada no artigo 510 do Código Penal, que pune ataques contra a dignidade humana com base em raça, gênero, religião, orientação sexual, doença ou condição social.
Uma segunda sentença na mesma linha saiu em setembro passado, contra um torcedor do Real Mallorca que acabou condenado a um ano de prisão. Ele proferiu ofensas racistas contra Vinicius no dia 5 de fevereiro de 2023,e contra o nigeriano Samuel Chukweze, jogador do Villareal, 12 dias depois. Tanto os adeptos do Valencia quanto o reincidente do Mallorca se beneficiam de um dispositivo legal que permite cumprir penas em regime aberto em sentenças inferiores a dois anos. Os quatro foram banidos dos estádios pelos respectivos clubes –embora esse banimento seja difícil de fiscalizar.
Os clubes passaram a punir os perpetradores porque o governo espanhol, através do Ministério da Educação, Formação Profissional e Esportes, começa a apertar o cerco contra eles. Desde 2009 o ministério possui uma Comissão contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância. Em novembro passado, a comissão decidiu aplicar multas de até 20 mil euros (R$ 125,5 mil) a clubes que julga coniventes com atos racistas, entre eles o Mallorca. Torcedores também são sancionados. A maior multa, de 60.001 euros (R$ 376,6 mil), foi aplicada ao grupo Indar Gorri –um perfil de adeptos do clube Osasuña, de Pamplona, que dispara insultos racistas nas redes sociais. A multa recaiu sobre o administrador do perfil.
O repúdio ao racismo no esporte é crescente na Espanha por razões políticas e comerciais. Na seara política, há a pressão de grupos antirracistas sobre órgãos do governo e a atuação de jogadores militantes como Vinicius Junior. Na área comercial há a insatisfação dos patrocinadores: sempre que ocorrem atos de racismo, seus perfis corporativos se enchem de protestos nas redes sociais. Várias dessas empresas manifestaram repúdio ao racismo durante o caso mais momentoso, o dos torcedores do Valencia que ofenderam Vinicius no Mestalla e acabaram punidos. Algumas delas não são mais patrocinadoras de La Liga.
Procurada pela Folha, La Liga respondeu, através de sua assessoria de imprensa, que pretende organizar uma semana contra o racismo em torno de 21 de março, data em que se celebra o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial. Em seu dossiê, a entidade afirma que “a legislação vigente na Espanha só permite a La Liga denunciar os fatos ante os órgãos competentes” e diz que vem lutando por mudanças legislativas que lhe deem poder para punir os clubes. “Isso permitiria reduzir o tempo de sanção para esses casos”.
Depreende-se do documento que punir perpetradores de racismo não é fácil num país que não tem uma lei específica para esse tipo de crime. Em alguns casos os juízes recusam as acusações por considerar as ofensas casos isolados no calor de uma suposta paixão clubística. O esforço da La Liga –e os resultados obtidos– podem, no entanto, servir de exemplo para outras federações, como a Conmebol, responsável pelos campeonatos internacionais na América do Sul.
Nesta quinta-feira, o jogador palmeirense Luighi foi vítima de insultos racistas no Paraguai, durante jogo da Copa Libertadores sub-20. “Até quando, Conmebol? Vocês nunca fazem nada. Nunca!”, escreveu Vinicius Junior em suas redes sociais.