Estados Unidos e Reino Unido não assinaram a declaração final da Cúpula para Ação sobre Inteligência Artificial, encerrada nesta terça (11) em Paris. A recusa reflete a discordância entre os defensores e os adversários de uma regulamentação que coíba o uso da nova tecnologia para fins considerados perigosos.
A declaração final da cúpula, com 60 signatários (58 países, entre eles o Brasil, e dois blocos, União Europeia e União Africana), defende “uma inteligência artificial sustentável e inclusiva”, “aberta a todos, transparente, ética, segura e digna de confiança”.
O documento é pouco mais que uma declaração de intenções. A única medida concreta citada é a criação, pelos signatários, de uma “plataforma e incubadora de IA de interesse geral” para apoiar projetos de IA “a serviço do interesse geral de todos, para todos e por todos”.
Enviado de Washington à cúpula, o recém-empossado vice-presidente J.D. Vance deixou clara em seu discurso a posição americana, contrária à regulamentação da IA. Vance passou pouco mais de uma hora no Grand Palais, sede do encontro, pavilhão de exposições do final do século 19 famoso pela monumental cúpula de vidro.
Ele atacou as tentativas de regulamentação da IA e ameaçou, sem citar a China, os países que seguirem a liderança de “regimes autoritários” no setor. “Lembro a nossos amigos estrangeiros, aqui hoje, que parcerias com tais regimes nunca compensam no longo prazo”, advertiu o vice de Donald Trump.
O primeiro-ministro britânico, o trabalhista Keir Starmer, desistiu da viagem na última hora. Um porta-voz de Downing Street alegou que não se conseguiu “chegar a um acordo sobre todas as partes da declaração” e que o Reino Unido só adere a iniciativas “que são do interesse nacional”.
A falta de acordo já era esperada. Na semana passada, em conversa com um grupo de veículos de imprensa internacionais, entre eles a Folha, a francesa Anne Bouverot, coordenadora da cúpula, já admitia que o documento final dificilmente teria unanimidade e que tampouco conteria compromissos concretos com metas.
“Será bastante geral, menos de duas páginas, e sobre os assuntos sobre os quais se consegue ter um consenso, não necessariamente de todos os países, mas muito além da União Europeia”, afirmou na ocasião.
A negativa de EUA e Reino Unido teoricamente atende aos interesses dos bilionários interessados no setor, reticentes à limitação do desenvolvimento da IA. O mais proeminente de todos, Elon Musk, hoje um dos conselheiros mais próximos de Donald Trump, fez esta semana uma tentativa de compra da OpenAI, dona do ChatGPT, um dos principais “chatbots” —as ferramentas que reproduzem os padrões de conversa humanos.
Porém, na própria cúpula, líderes das empresas de tecnologia defenderam algum tipo de regulamentação. O indiano Sundar Pichai, CEO da Alphabet, dona do Google, admitiu a necessidade de combater os deepfakes, vídeos falsos que usam o rosto e a voz de personalidades para enganar o público. O italiano Dario Amodei, CEO da Anthropic, criadora do chatbot Claude, considerou o encontro de Paris “uma oportunidade desperdiçada”.
Esta foi a terceira cúpula anual sobre IA. As anteriores ocorreram em 2023 em Bletchley Park (Reino Unido) e 2024 em Seul (Coreia do Sul). Ainda não haviam sido anunciados, até terça, local e data do próximo encontro.
Ainda este ano, haverá outras conferências internacionais sobre IA em Ruanda (em abril), na Tailândia (em junho), na China (também em junho) e na Suíça (em julho).
Entre os receios despertados pelo rápido desenvolvimento da IA, estão o desemprego em massa, o uso para fins militares, violações de direitos autorais, riscos ambientais devido ao alto consumo de energia e até a extinção da espécie humana, caso a nova tecnologia suplante a inteligência e a capacidade de controle dos seres humanos.